A análise de hoje será não apenas da obra em si, mas também da plataforma pela qual a mesma foi consumida. Hoje falaremos de Demolidor: Amarelo, obra de Jeph Loeb e Tim Sale, lida no app da Marvel Comics (em parceria com a Comixology).
Originalmente com o título de “Daredevil: Yellow”, foi lançada em formato de minissérie nos EUA, de Agosto de 2001 a Janeiro de 2002 e faz parte do que ficou conhecido como a trilogia das cores da Marvel, que inclui Hulk: Cinza e Homem-Aranha: Azul, todas pela mesma dupla criativa. A ideia por trás da trilogia é recontar o passado destes heróis através de uma linha narrativa mais intimista, como se estivesse sendo contadas pelos próprios protagonistas, com suas próprias impressões e opiniões sobre os fatos ocorridos. Em Demolidor: Amarelo, vemos Matt Murdock (alter ego do Demolidor) em um momento de sua vida onde seu grande amor, Karen Page, estava morta. E para aplacar a dor, Foggy Nelson, seu melhor amigo, sugere que Matt escreva cartas para ela, como forma de exteriorizar seus sentimentos.

“Não se mede um homem por como ele é nocauteado… e sim por como ele se levanta.”. Aposto que você também achou que o Stalone estava sendo original com seu discurso em Rocky Balboa né?
O ponto forte da história é a forma como a narrativa passa por momentos já conhecidos da vida do Demolidor (afinal, o que não falta são histórias de origem para o personagem), mas ao contrário do tom sombrio das histórias de Frank Miller (Demolidor: O homem sem medo, A queda de Murdock), Jeph Loeb e Tim Sale criam um clima que beira a comédia romântica, dando bastante enfoque para o triângulo amoroso Murdock-Page-Nelson, além da relação de Matt com seu pai. Aliás, este é um ótimo ponto de partida para quem quer conhecer o personagem, pois é basicamente um releitura de seus primeiros dias como vigilante na Cozinha do Inferno de Nova Iorque.
A arte de Tim Sale é emblemática, dando a leveza necessária a narrativa, além de remeter ao traço das histórias originais do homem sem medo, na década de 60, quando ainda era desenhado por Bill Everett . Mas o destaque fica pelas cores de Matt Hollingsworth, que dão o tom da série, marcando os momentos dramáticos e alegres da vida do personagem, dando uma vivacidade ímpar para a história. A composição dos quadros também merece elogios, pois cria uma sensação de continuidade que é indispensável para uma mídia conhecida como “arte sequencial”. E é neste ponto que quero enfatizar o modo como fiz minha leitura.
Adquiri a HQ em uma promoção pela plataforma de Marvel Comics para leitura digital, disponível para Android e IOS. Porém, existem alguns obstáculos para a disseminação deste tipo de leitura, principalmente aqui em terras Tupiniquins. Primeiro, para realizar a compra da revista digital em apps como o Comixology, você precisa (além de ter um dispositivo para ler) pagar em dólar, o que traz novos problemas, como a flutuação do valor da moeda aqui no Brasil e o método de pagamento (tendo que utilizar PayPal ou ter um cartão de crédito internacional). Segundo, saber ler em inglês, pois estas plataformas não disponibilizam obras traduzidas para o nosso idioma. Bem, pelo menos quanto ao primeiro fator, achei uma solução.

Um novo olhar sob a origem do homem sem medo.
Embora o Comixology ainda exija PayPal ou cartão internacional, tanto o app oficial da Marvel, quanto o a DC Comics, aceitam seu cartão nacional mesmo. E aliás, apresentam o preço já em reais, e o melhor, não fazer uma conversão, mas sim tarifam de acordo com a nossa moeda. Ou seja, pelo menos a princípio, a alta do dólar não afetaria os preços em reais, que em média usa uma relação de R$ 3,00 pra U$ 1,00. Mesmo assim, é possível encontrar preços regulares menores, ou esperar pelas promoções, que são semanais e costumam baixar os preços em 50% ou mais. Quem é gamer e está acostumado com promoções como as realizadas pela Steam ou a Nuuvem sabe do que eu tô falando…
Mas minha experiência com leitura digital vai além da compra. O próprio ato de ler HQs em um dispositivo móvel é bem diferente. As vantagens que descobri são bem satisfatórias. Por exemplo, você ter a oportunidade de carregar sua coleção pelo mínimo de peso. Isto é ótimo para viagens! E o próprio conceito de leitura por quadros acaba sendo otimizado neste tipo de plataforma. Quando pegamos uma história em quadrinhos “física”, por mais que a leitura seja feita em blocos, nossa visão vai para todo o canto da revista (no meu caso, até para a outra página, não sei se com vocês é assim também…). Já a leitura pelo app é dirigida, ou seja, ela segue a ordem que o autor pensou, quadro por quadro. A experiência com este tipo de leitura foi, de modo geral, bem satisfatória. O único problema, como disse, é que não é algo inclusivo, pois depende do nível de inglês do leitor. Uma dica sobre isso: Procure histórias de temática simples caso você não tenha grande domínio da língua inglesa. Deixe para ler Alan Moore, Grant Morrison, Neil Gaiman e Warren Ellis em português mesmo, só pra garantir.

A arte de Tim Sale com as cores de Matt Hollingsworth.
Demolidor: Amarelo é uma ótima leitura, leve e de fácil compreensão, e com uma boa dose de carga emocional, que a salva de ser superficial. Esta é uma obra que se faz necessária uma edição capa dura, volume único, aqui para o Brasil, pois atualmente é muito difícil de encontrar suas edições publicadas (o que me motivou a realizar esta compra online, por sinal). A obra foi lança aqui em formato de minissérie em 3 partes, pela Panini. Existe também uma edição volume único lançada pela Devir, mas somente em Portugal. Enfim, seja em edição física ou digital, esta é uma história que merece ser lida, seja por iniciantes nas HQs, ou por aqueles que já nutrem certo respeito e admiração pelo “homem sem medo”.
* João Gabriel é estudante de Letras, aluno-pesquisador de iniciação científica sobre Análise do Discurso em HQs, curioso sobre tudo que envolve a industria cultural, e tem o sonho de um dia poder viver apenas como educador, fomentando a leitura crítica de obras da cultura pop em geral (mas por enquanto paga suas contas trabalhando com TI mesmo).
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