
Recentemente foi aberto um “debate” nacional sobre o tema da tortura, devido às declarações do deputado Jair Bolsonaro (PSC), que homenageou a figura de um torturador da ditadura militar durante a votação parlamentar pelo afastamento da presidência da república.
Não demorou para que pipocassem as indagações: “É correto torturar? ”, “qual o limite que devemos atingir para tolerar a tortura? ”, “a tortura é aplicável em nome de um bem maior? ”.
O ressurgimento dessas questões, que já deveriam estar bem resolvidas, evidencia o quão distante está a sociedade brasileira de um viés progressista. Não me refiro aqui a alguma tentativa de esquecer esses atos de imensa violência que foram (e são cometidos ainda hoje) no país e no mundo, tal qual um recalcamento daquilo que não se quer admitir. Não, o problema não é esse.
Em nossas democracias representativas liberais, o imperativo reinante é de que devemos dar voz e permitir que todos exponham suas opiniões perante a multidão, indiferente de quais sejam. Penso que esse discurso da tolerância total nos compromete mais do que nos assegura liberdades, principalmente quando sujeitos utilizam esse espaço para declarar o ódio disfarçado de opinião; ódio esse que ameaça a existência da própria democracia.
Utilizemos o exemplo do estupro: é amplamente reconhecido que o estupro é um crime. Não se deve estuprar e não há razões para estuprar. Aquele que, por algum motivo, tenta discutir ou problematizar a questão do estupro já caminha para um ato de imoralidade tão nefasto quanto quem apoia esta prática. Qualquer pessoa com bom senso olha torto para o outro que declara: “O sujeito foi tentado” ou “se não andasse com essa roupa, não seria estuprada”. Não há o que discutir ou problematizar aqui. É simplesmente abominável.
O mesmo vale para o racismo. O mesmo vale para a eugenia. O mesmo vale para a tortura.
Não se trata de algo volátil que depende da interpretação, das razões ou dos motivos que a levaram a ser realizada. Devemos ser completamente intolerantes a respeito dessa questão, condenando totalmente e punindo tanto quem pratica como quem faz apologia a essa monstruosidade. Não devemos ceder palanque ou escutar calados quem louva tamanha barbárie, nem devemos temer impor limites claros. Quem o fizer estará sendo complacente.
O que está em jogo é um elemento ético fundamental e necessariamente radical contra a tolerância total, para que não se caia na armadilha de tolerar o intolerável.
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