Título: Quando nosso mundo se tornou cristão
Autor: Paul Veyne
Editora: Civilização Brasileira
N° de páginas: 288
Nota: Antes de tudo, tal livro não se encaixa no gênero “literatura”, então por quê colocá-lo aqui? Ora, por sua linguagem, sua escrita. É um livro de História, sem dúvida, mas a sua escrita e narrativa fluem e pensei o quão injusto seria ter lido este livro e não escrever sobre o mesmo depois. Paul Veyne faz parte de uma geração de historiadores que tem um narrativa mais suave e gostosa de ser lida (alguns dizem que nem História é) e para os interessados no tema fica aqui a dica.
Constantino teria aderido ao cristianismo por interesses políticos, evitando uma guerra civil e mantendo a paz no Império Romano. Essa é a versão que chega aos ouvidos de muitas pessoas, mas que Paul Veyne só não aprova como também refuta muito bem em seu livro “Quando nosso mundo se tornou cristão”.
Não seria a fé algo suficientemente importante para mudar a mente de um imperador? Um imperador só pode tomar posições de acordo com os limites que são estabelecidos em sua sociedade? Os cristãos não eram maioria no Império romano — não contabilizavam nem 10% da população —, mas o cristianismo tinha uma posição de destaque nos debates entre os eruditos e religiosos. A nova fé provinda de uma seita judaica causara grandes problemas a serem resolvidos e levantara inúmeras questões.
Com o seu universalismo, o cristianismo veio para abalar os pilares do paganismo. Não só afirmava ser a única religião verdadeira, como também condenava os nãos crentes à danação eterna no inferno. Concebeu um Deus que se mostrava presente em todas as coisas existentes; que era misericordioso e rigoroso ao mesmo tempo e que exigia de seus fieis um código de conduta moral. Converta-se e torne-se parte de algo gigantesco, conheça a verdade e seja temente a Deus, assim alcançará a glória eterna.
O cristianismo aparece oferecendo algo que até agora não existia, munido destas promessas e de uma visão revolucionaria da existência. Para as crenças pagãs, o conceito de verdade simplesmente não era importante. O pluralismo e a tolerância com outros deuses era algo totalmente normal e não havia muito espaço para os meros mortais participarem de algo no plano divino. Já no cristianismo, todos podem — e devem — tomar seu papel no plano divino. Não há mais um deus para cada coisa. Agora todas as coisas existentes emanam de um só deus.
Mas o que seria dessa nova fé sem Constantino? Os cristãos eram perseguidos e até então somavam uma parcela muito pequena da sociedade. Veyne defende a importância que teve esta figura na divulgação e na adoção do cristianismo como religião oficial do império; decisão esta que abalou toda a história da humanidade e ia contra a postura adotada pela grande maioria da população que compunha o Império Romano. Sem Constantino para ousar o suficiente tornando-se cristão e divulgando a nova fé, a história do mundo simplesmente não seria o que foi e nem o cristianismo teria alcançado a dimensão que alcançou.
Veyne ainda entra no mérito de discutir questões atuais e problemas referentes à teologia. Além de história, vemos psicologia, filosofia e, sem dúvida nenhuma, uma erudição de peso — as notas de rodapé não me deixam mentir. “Quando nosso mundo se tornou cristão” não tem apenas uma linguagem acessível, prazerosa e com bons argumentos; é também fruto de anos de estudos reunidos neste “livrinho”, como o próprio autor se refere à obra, sem a verborragia de outros intelectuais da área. Sem dúvida, uma das minhas maiores surpresas do ano.
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