A literatura portuguesa já é amplamente conhecida do público brasileiro pelas obras-primas que produziu. Seja com José Saramago e seu Evangelho Segundo Jesus Cristo, ou Antônio Lobo Antunes com o Tratado das Paixões da Alma, ainda mantemos um contato forte com aquilo que é escrito no pequeno país de Portugal, de quem herdamos muita coisa além língua (e que lindamente a “abrasileiramos” para outra coisa).
Mas não é de nenhum desses gigantes que venho falar nesta breve resenha. Talvez, quem sabe num futuro próximo, ganhe um renome no nível de outros ícones da literatura lusitana, pois ainda é cedo demais para se chegar a tamanha constatação. Falo de Afonso Cruz, de 45 anos, autor de “Flores” (primeiro livro do autor que a Cia. das Letras lança no Brasil), que apesar do título não tem relação com botânica.
O romance se inicia com uma perda, a perda do pai. E é a partir daí que o narrador, um jornalista que vive com a filha e a mulher numa relação cheia de incômodos, passa a notar seus vizinhos e a conviver com o senhor Ulme. Ulme sofre além da conta com as notícias que lê nos jornais e com todas as tragédias humanas às quais assiste. Certo dia percebe não se lembrar de seu primeiro beijo, dos jogos de bola nas ruas da aldeia ou de já ter visto uma mulher nua. Seu vizinho, talvez por ainda recordar bem do encanto do primeiro beijo – e constatar o quanto a sua vida se distanciava dele -, decide ajudar o senhor a escrever sua história e a recuperar as lembranças perdidas.
O que é uma pessoa sem suas lembranças? Sem as suas memórias? Sem tudo aquilo que a tornou o que ela foi e o é? Sem os locais que visitou, as pessoas que conheceu, que abraçou, que amou? Afonso Cruz dá voz a essas memórias e relatos, num conflito entre o novo que luta para render significado em seu cotidiano desgastado e o velho que batalha para recuperar o que ameaça se perder. Sua escrita é leve, mas não pueril. Temos vontade de ruminar as frases que nos chamam aos esconderijos da linguagem, onde guardamos coisas que talvez nem saibamos que persistiam por lá.
O livro é composto por capítulos curtos, que tocam profundamente o leitor. Memória, amor, morte e as tragédias que acabam por virar banalidades.
Como bem disse Mia Couto, Afonso Cruz é “uma das vozes mais criativas da nova literatura em língua portuguesa”.
Título: Flores
Autor: Afonso Cruz
Editora: Cia. das Letras.
N° de páginas: 272