Universo polarizado: de que lado você está?

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João Gabriel

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Pois é, dessa vez tentarei algo diferente. Nada de análise ou resenhas de um título específico. Estou aqui hoje pois tive uma epifania que gostaria de compartilhar. Com o início da “temporada heroica” desse ano, com diversas séries e filmes estreando com esta temática, percebi que uma tendência predomina: A do antagonismo. E não é um antagonismo clássico, maniqueísta, como é o habitual. Este ano teremos algumas produções que colocam os heróis (ou até anti-heróis) em confronto, sem necessariamente um lado bom e um lado mau claramente definidos. E sabe o que acho mais interessante? É que este pensamento dicotômico extrapola as telinhas e telonas e está neste exato momento, ao nosso redor. Estamos vivendo este momento, tanto na cultura que consumimos, quanto na vida “real”.

Se você usou alguma rede social nestes últimos dois anos (e se você está lendo este texto, neste site, considerarei que sim) certamente ouviu falar que o Brasil está polarizado. Neste contexto, este termo se refere principalmente à política, partidária ou não. A última eleição presidencial em território brasileiro foi a mais acirrada desde a redemocratização, terminando com uma diferença menor do que 4 pontos percentuais entre os candidatos do segundo turno. Assim vimos a internet se rachar no meio, com dois lados bem destacados. Isto não é novidade para ninguém, não há nenhuma informação nova aqui, mas o meu ponto é: esta é uma análise muito superficial da situação! Em uma análise assim desconsideramos uma dispersão de opiniões existentes entre os discursos dos diversos grupos sociais existentes na sociedade civil. Desconsideramos que o atual governo possui críticas que vem tanto da direita quanto da esquerda do espectro político. Mas nos acostumamos a pensar de maneira polarizada. E esta tendência não parece se restringir apenas ao Brasil. Com a eleição presidencial norte americana chegando, em um país onde esta disputa já é tradicionalmente mais polarizada do que aqui, sendo disputada praticamente por dois partidos apenas, dois candidatos começam a se destacar nas primárias estaduais de cada partido: Bernie Sanders é possivelmente um dos mais progressistas pré-candidato, com reais chances a concorrer as eleições, que os EUA já teve. Em compensação, no lado republicano, temos uma possível candidatura de Donald Trump, com um dos discursos mais conservadores já vistos nos últimos tempos.

Discurso político e quadrinhos andam lado a lado por mais tempo que você imagina,

Discurso político e super-heróis andam lado a lado por mais tempo que você imagina.

Tá, mas o que tudo isso tem a ver com quadrinhos e filmes de super-heróis? Muita coisa. Mas começaremos do começo. Tradicionalmente a mídia de história em quadrinhos sempre foi muito maniqueísta, com seus heróis sendo o baluarte da moral e bons costumes da sociedade em que se encontra, enquanto os vilões eram representados como o que há de mais perverso na humanidade, não deixando muito lugar para discussões éticas. Umas das primeiras histórias que começou a tentar mudar este paradigma foram as histórias do grupo mutante X-men. Embora inicialmente tão maniqueísta como as outras, com o tempo o discurso de seu principal vilão, Magneto, começou a angarias fãs não apenas entre os mutantes mais vis do universo Marvel, mas também fora das páginas das HQs, conforme os roteiristas iam se empanhando em mostrar outros pontos de vista para as ações do mestre do Magnetismo. Então na década de 80 tivemos uma torrente de histórias desse tipo, com personagens em posições socialmente questionáveis e heróis confrontando heróis por razões ideológicas (com “Cavaleiro das Trevas” e “Watchmen” sendo os principais representantes, mas longe de serem os únicos).

Cavaleiro das Trevas, por Frank Miller, de 1986. Tão atual quanto na época em que foi escrito...

Cavaleiro das Trevas, por Frank Miller, de 1986. Tão atual quanto na época em que foi escrito…

As discussões levantadas por essas histórias tiveram seus ecos propagados para as décadas seguintes, o que nos leva ao nosso momento atual. Ainda discutimos hoje as questões levantadas por estas HQs. O que é o vigilantismo? O combate ao crime deve ser realizado por todos os que possuem os meios e a coragem para tal, ou deve ser mantido apenas pelo Estado? Deve ser garantido a todos o direito de se lutar pela justiça, e se sim, de qual justiça estamos falando? Todas estas questões levantadas, de uma forma ou de outra fazem parte dos principais títulos televisivos e cinematográficos com temática de super-herói deste ano. Em “Capitão América: Guerra Civil” teremos o embate entre dois grupos com visões políticas diferentes, com o Homem de Ferro liderando um dos lados e o Capitão no outro, trazendo parcialmente a discussão que este evento trouxe no Universo Marvel, a 10 anos atrás. Na TV a Marvel aposta no embate, físico e ideológico, entre o Demolidor e o Justiceiro em sua série do Homem sem Medo transmitida pela Netflix. Já no universo cinematográfico da DC teremos “Batman Vs Superman: A Origem da Justiça”, também parcialmente baseada na clássica Cavaleiro das Trevas, teremos o confronto entre talvez os dois super-heróis mais emblemáticos das HQs. “X-Men: Apocalipse”, que desde o primeiro filme trás a disputa ideológica entre Professor X e Magneto, irá acrescentar um terceiro elemento com a entrada de Apocalipse na trama, dividindo novamente os mutantes. Em “Esquadrão Suicida” teremos vilões salvando o mundo e levando adiante a discussão sobre o que é ser um herói, e até no recente Deadpool, um dos filmes de super-herói mais despretensiosos desta leva atual, temos um leve subtexto sobre este assunto.

E os embates desse ano não se limitarão às telonas. Demolidor e Justiceiro prometem um confronto tanto físico quanto ideológico na série da Netflix.

E os embates desse ano não se limitarão às telonas. Demolidor e Justiceiro prometem um confronto tanto físico quanto ideológico na série da Netflix.

Pense no quanto nossa sociedade e até nossos modelos teóricos são baseados em opostos. Por que gostamos tanto destas dicotomias? Ou melhor, por que mesmo superado o maniqueísmo, a dicotomia persiste? Por que é tão difícil para nós superarmos sistemas binários de pensamento? Se você leu até aqui esperando uma resposta para estas perguntas, creio que ficará desapontado, pois não a possuo. Mas incentivo que deixem suas impressões na área de comentários abaixo, pois adoraria continuar a discussão, agora com a interação de vocês (ei, vocês ainda estão aqui né??).

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João Gabriel

João Gabriel é estudante de Letras, pesquisador iniciante sobre Análise do Discurso em HQs, curioso sobre tudo que envolve a industria cultural, e tem o sonho de um dia poder viver apenas como educador, fomentando a leitura crítica de obras da cultura pop em geral (mas por enquanto paga suas contas trabalhando com TI mesmo).
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